domingo, 23 de maio de 2010
Zé Testinha - Passos tradicionais e o mesmo tema há 34 anos (Ceará)
Pros lados da rodoviária, o trânsito é caótico, o comércio fervilha e o intenso vai e vem de pessoas há muito extrapolou o horário de picos. No final da Travessa Riachuelo, que beira a Borges de Melo, porém, o quadro muda de cores e o tempo parece outro. É ali que funciona o agora Centro Cultural Zé Testinha, a quadrilha junina que, desde 1976, mantém o mesmo tema, não inventa passo novo e aqui ou acolá insere composições próprias dentro do repertório que privilegia as canções de Luiz Gonzaga e Trio Nordestino. A iluminação do pequeno sítio não lembra aquelas luzes brancas da maioria da cidade e as casas (a família toda mora por lá) não têm forro. Que nem no sertão, na zona rural de Quixadá - origem de sua família.
``Aqui é quase como no sertão``, brinca Reginaldo Rogério, o próprio Zé Testinha (que não nega o apelido, mas estava de boné na última quarta-feira, quando recebeu a reportagem do O POVO). Um quase que se aproxima às aparências do lugar e àquela singeleza e rigor com que (parte d)o pessoal do interior constrói seu caminho. A esse rigor, aliás, foram adicionados os ensinamentos do marketing que Reginaldo adquiriu com toques de amigos e palestras às quais assistiu, como a de Lair Ribeiro. ``Descobri que eu tinha que ser um águia. Por que a águia? Porque ela é um animal que voa mais alto tem a visão diferente de todo mundo``. (Júlia Lopes)
O POVO - Quais são as suas primeiras lembranças de quadrilhas?
Reginaldo Rogério (Zé Testinha) - A minha tia dançava. Quando ela dançava, a gente era criança & somos seis filhos do meu pai. Quando eu tinha quatro anos, a minha irmã mais nova nasceu e a minha mãe ficava com ela e eu, que já caminhava com as próprias pernas, ia com essa minha tia ver os ensaios. Foi vendo quadrilha que eu passei a gostar de quadrilha.
OP - O que te emocionava lá?
Zé Testinha - O meu avô fazia muita festa, no interior. E no sertão, quando tinha uma festa, mobilizava todo mundo. Não se tinha costume de ter tanta festa. Então quando tinha vinha gente de fora, tinha gente que vinha dois dias antes. Era difícil o acesso, então vinha de cavalo, vinha pra tomar café, jantar e almoçar e ficar pra festa. A gente não sabe explicar porque que gosta, mas gosta. E isso veio se fortalecendo à medida que o tempo passava, a gente imitava os grandes, e isso foi crescendo. Com sete, oito anos, a gente já brincava de quadrilha no colégio.
OP - Quando as atividades começaram a se intensificar, ficaram mais profissionais? Foi com teu avô, teu pai ou contigo mesmo?
Zé Testinha - Eu acho que foi mais na minha geração, não foi em 1976, quando a gente tem a primeira notícia da quadrilha. Ao longo do tempo eu passei a ser uma pessoa organizada. Pelo estudo, pelo trabalho, a gente aprende a ser organizado. Apesar de eu ser mais vocacionado pra eletrônica, teve uma época que eu estudei marketing.
OP - Fez faculdade?
Zé Testinha - Não, foi por amigos, há uns 15 anos, eles entraram numa rede de marketing e me convidaram. Então eu assisti aulas, palestras, vi o Lair Ribeiro, um monte de gente conhecedora do assunto. Mesmo trabalhando à noite eu ia. E nisso eu comecei a jogar os conhecimentos na minha quadrilha. E eu aprendi que eu tinha que me organizar, cumprir horário e buscar a credibilidade que não tinham de quadrilha.
OP - O que mais você aprendeu com o marketing?
Zé Testinha - Eu ouvi falar muito de águia e descobri que eu tinha que ser um águia. Por que a águia? Porque ela é um animal que voa mais alto e tem a visão diferente de todo mundo: fazer com que o meu grupo crescesse sem precisar tá vendendo ele a um político ou um professor de folclore. Eu sempre pensei nisso aí, de ser um líder, uma águia. Você não vai mudar a minha opinião. É mais fácil eu mudar a sua opinião. Porque se não, eu não estaria fazendo quadrilha da mesma forma como eu comecei, sem fugir dos meus princípios. Eu quero conservar, eu só quero perpetuar. Eu aprendi que a gente tinha que ter um corrimão nas costas. Pra que o que eu fizesse hoje, eu estivesse garantido no próximo ano, que eu não criasse um monstro que eu não soubesse controlar. Eu não cairia porque eu estava segurando meu corrimão. O marketing me ajudou muito nisso. Trabalhar a marca & é muito feio esse nome Zé Testinha, né? É o quê, Zé Testinha? (risos). Começou com uma simples brincadeira: como eu tenho a testa avantajada, minha irmã me chamava de Testinha. E o meu nome é José. Mas depois ninguém trabalhou esse nome Zé Testinha, era Arraia Zé Testinha.
OP - Isso foi mais ou menos na mesma época em que as quadrilhas, como se diz no meio, estavam ``evoluindo``?
Zé Testinha - É. Mas ainda tem muito que se aprender dentro de quadrilha em termos de responsabilidade. A quadrilha hoje não é mais a quadrilha de bairro, pra se dançar numa rua. A gente passou a ser espetáculo. Você ensaia, ensaia pra apresentar o espetáculo. A gente deixou de ser tradicional. Porque a quadrilha tradicional é aquela em que você vai pra uma festa e não tem combinado nada. É como se chama: improvisada. Os demais restos de quadrilha eu denomino como quadrilha-show. Você apresenta o seu show.
OP - Você acha que dá pra fazer um paralelo entre a quadrilha do Zé Testinha, que é tida como tradicional, e as estilizadas?
Zé Testinha - Aí já é outra coisa. Você está falando da tradição da quadrilha e eu estou falando das quadrilhas tradicionais. As pessoas acham que as quadrilhas tradicionais é você botar um chitão (eu não considero chitão, porque um homem, da época, se botasse blusa florida, ele era tido como mariquinha ou coisa parecida. Hoje é outro nome mais forte. Mas ele não usava chitão, ele usava o xadrez). Na minha concepção, eu que fui criado no sertão (as minhas férias de colégio eram todas no sertão), até a forma de dançar do meu grupo foi tirada de lá. Você pode usar o chitão como marketing pras mulheres, mas para os homens é o xadrez que predomina. Então eu digo: por que a Zé Testinha é uma quadrilha tradicional? Ela é uma quadrilha-show, mas defende o tradicional. Eu conservo a forma de dançar, mas eu ensaio. Se eu não ensaiasse, eu era uma quadrilha tradicional completa.
OP - E o que você acha das estilizadas?
Zé Testinha - Primeiro, o que a gente tem que ver é que o São João ficou belíssimo. Belíssimo com a minha quadrilha desse jeito, aquela outra do outro jeito e assim por diante. Você vai assistir a um espetáculo, cada um com ideias e focos diferentes. O mais importante é que a gente nunca deve deixar de ver aquilo ali (e aponta para um santuário iluminado de luz azul): a religiosidade. Por que nós estamos fazendo (quadrilha)? Por causa de São João Batista. Nós fazemos quadrilha pra brincar e lembrar que São João Batista nasceu pra batizar Jesus Cristo. Porque as pessoas às vezes estão fazendo quadrilha pra ser a melhor. Se a gente não se preocupar com o andamento do São João, as criancinhas que estão hoje vão entender que a quadrilha é o que elas estão vendo. O que se faz com as quadrilhas hoje é bonito, não deixa de ser bonito, mas estão fazendo coisas que ao invés de manter a história junina, deturpa um pouco a história. A gente observa o vestuário de quadrilha e fica bobo: o que tem de São João ali? É uma visão, logicamente. A gente tem que tá aberto ao modernismo, à evolução dos tempos, mas com responsabilidade. Faz 34 anos que eu faço o cangaço, porque foi a maior riqueza que eu encontrei. E todo ano pra mim parece que é o primeiro ano. Parte da quadrilha, no começo, não quis mais brincar. O cangaço é rico na mitologia do Nordeste, nos adereços, e é identidade nordestina. Era a forma de eu participar com as com as quadrilhas estilizadas porque eu trago alguma coisa rica também. Só não é rica de brilho, mas de história. Mas aí você me pergunta: o que tem a ver São João com o cangaço? Os cangaceiros eram nordestinos, e gostavam de São João.
OP - A Federação começa agora a exigir alguns requisitos básicos para manter essa proximidade com as quadrilhas antigas. Como é que você acha que os quadrilheiros vão responder a isso?
Zé Testinha - Olha, eu estive, esse ano ainda, numa reunião da Unej (União Nordestina de Entidades de Quadrilhas Juninas), e pude fazer um parâmetro no que as pessoas pensam. A gente vê pessoas comprometidas com a cultura do seu estado. Hoje a gente vê vários tipos de quadrilhas e várias ideias diferentes, tem quadrilhas carnavalescas, por exemplo. A gente fica ali conversando, mas eu não coloco o meu pensamento. É aquela coisa: se você é Fortaleza e tá no meio da torcida do Ceará, você fica caladinho. Existe o seguinte: quem faz quadrilha porque gosta do São João e quem faz pra ganhar. Hoje em dia tem os temas. É muito parecido com as escolas de samba do Rio de Janeiro. Até o vestuário da quadrilha todinha é baseado em cima do tema. É uma forma de dizer que um explorou bem o tema, ou não explorou bem... Quem não tem um tema, eles rotularam como ``São João``, você tá entendendo? No fim, o evento que é dançar quadrilha, virou figurinha. Por causa da competição, as quadrilhas daqui tão ficando parecida com as de Recife, que são muito numerosas. Tem quadrilha lá que são 60 pares. Imagina 100, 120 pessoas dançando? Tem uma competição lá em Mossoró. Fui uma vez e Deus me livre de botar os pés lá de novo! Eles não querem ver quadrilha não. Eles querem ver espetáculo. Aí onde tá o negócio da tradição: se eu botar cenário, eu tô indo contra todos os meus princípios, eu tô evoluindo demais. Já eles não têm coragem de fazer o que eu faço. Em cima do que a gente faz, você tem que ter escolaridade. Eles já saíram da caverna, já sabem o outro lado. Não sabem mais voltar. Se eu chegar pra ti e disser assim: nós vamos ganhar, nós temos que ganhar, ganhar, ganhar, ganhar. Tu vai dançar lá e não ganha. Tu num ensinou a pessoa que tem que ganhar? Se não ganhou, eu vou lá pra que ganha. O que foi que aconteceu? Muitas quadrilhas deixaram de existir por causa disso. É uma bola de neve. Primeiro por isso. A outra bola de neve é que você começa a fazer muitas coisas mirabolantes, e vão aumentando tanto que você não tem condição de manter.
E-MAIS
> São João, para a quadrilha do Zé Testinha, é quase o ano todo. Pelo menos toda segunda-feira: ``Toda segunda-feira a gente se reúne aqui pra ir pro Pirata Bar. E lá é quadrilha mesmo, não é forró ou coisa parecida, não. É como se fosse uma micareta junina, um São João fora de época``.
> Geralmente são os próprios brincantes que pagam suas roupas. No Zé Testinha tudo é custeado pelo Arraiá. E quem disser que é porque é sempre a mesma roupa, Reginaldo contesta. ``Todo ano muda!``. Outras regalias dos quadrilheiros de lá é o ônibus com ar condicionado. Mas não vale levar acompanhante. ``Da metade pra frente vão os homens e da metade pra trás as mulheres``, diz, rigoroso.
> Muita gente que dança hoje na quadrilha é filho ou parente de alguém que já passou por lá. Vez por outra a entrevista era interrompida para vários ``boa noite``. Alguns, no entanto, são de fora. ``Esse aí (um rapaz que chegava de moto, com a farda do trabalho), paga alguém pra ficar uma hora no lugar dele enquanto ele dança quadrilha``, mostrou Reginaldo.
> Visitantes são bem vindos, e é certo encontrar conversa farta no sítio do Zé Testinha. ``Eu falo pelos cotovelos. E não sou só eu não, é a família todinha``. A movimentação por lá nessa época do ano se intensifica, com ensaios toda noite. E o entrançado de gente na casa também. ``Esse é meu irmão Ronaldo``, apresenta Reginaldo. ``Ele é poeta, faz cordel...``, ao que o irmão responde: ``Vixe, tudo isso?``
SOBE
As quadrilhas apostaram na beleza e não deixaram a prática morrer trazendo mais gente jovem para dançar, coreografar, musicar.
DESCE
Ao empresariado cearense, que ainda não acredita no potencial financeiro das quadrilhas juninas – que chegam a movimentar de R$48 a R$ 50 milhões por ano.
SOBE
Os momentos de integração que as quadrilhas promovem com as pessoas de uma mesma comunidade. São nos bairros da periferia que elas são mais numerosas.
DESCE
Os locais que não cuidam de toda a infra-estrutura necessária para a apresentação das quadrilhas, deixando os grupos expostos.
SOBE
Os novos compositores são estimulados a participar também: como a palavra chave das quadrilhas é inovação, eles acabam criando novas composições, enredos.
SOBE
A Federação das Quadrilhas Juninas do Ceará (Fequajuce), que instituiu um mínimo de passos tradicionais nas quadrilhas.
Fonte Vida & Arte
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